janeiro 15, 2006

Espiritualismo

I
Com um vento de morte e de ruina,
A dúvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de súbito, imerso
O mundo em densa e álgida neblina
Nem astro já reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.
E, no meio da noite monstruosa,
Do silencio glacial, que paira e estende
O seu sudário, donde a morte pende,
Só uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existencia,
Desabrocha no fundo da consciência.
II
Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um último clarão
Aos sóis que ruem pela imensidão,
Arrastando uma auréola apagada...
Em vão! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gélida amplião...
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada...
Tu morrerás também. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Há-de ecoar, e teu perfume extremo
No vácuo eterno se esvairá disperso,
Como o alento final de um moribundo,
Como o ultimo suspiro do universo.
(1874-1880 Antero de Quental)

3 comentários:

José Pires F. disse...

Muito bom e forte como diz o In-Culto.
Bom domingo.

Mac Adame disse...

Se bem que a poesia, no geral, não faz as minhas preferências na literatura, Antero de Quental é dos melhores (na minha modesta opinião, claro).

Intervencionista disse...

eu gosto, apesar de achar que por vezes é um pouco forte...