julho 06, 2006
8 Historias de "bola"
ARGENTINA
Ode a Maradona: a Vingança das Malvinas
Texto de Thomas Jones
O melhor elogio que alguém podia receber durante os meus tempos de adolescência na Inglaterra da década de 1980, era escutar que tínhamos “técnica”. E ninguém tinha mais técnica do que Diego Armando Maradona. O seu nome era invocado como a forma suprema de elogio, no campo de futebol e fora dele. Tornou-se adjectivo em Inglaterra: significava excelência em qualquer campo.
Levei muito tempo a perceber que a palavra correspondia ao nome de uma pessoa. Um dia, porém, vi-o marcar um golo contra a Itália no Campeonato do Mundo de 1986, elevando-se bem alto no ar, fora do perímetro da pequena área, e empurrando com destreza a bola sobre a perna direita estendida do capitão italiano, ultrapassando os braços estendidos do guarda-redes, fazendo-a entrar na baliza pelo canto inferior direito. Tornou-se então evidente, mesmo para mim, que Maradona não era apenas um tecnicista. Ele era a personificação da técnica.
O golo seguinte de Maradona foi marcado a 22 de Junho, no dia em que a Argentina defrontou a Inglaterra. Quatro anos antes, os dois países tinham-se igualmente defrontado – não num campo de futebol, mas na Guerra das Malvinas, comparada pelo escritor argentino Jorge Luis Borges “a uma luta entre dois carecas pela posse de um pente”. Quando a Grã-Bretanha conseguiu reconquistar as ilhas à Argentina, mais de 900 homens (na sua maioria argentinos) tinham perdido a vida. Com esta vitória, a popularidade de Margaret Thatcher na Grã-Bretanha disparou em flecha e a derrota contribuiu para a queda da junta militar direitista que governava a Argentina desde 1976.
Passados quatro anos, as Malvinas já pertenciam ao passado, ou, pelo menos, ambas as equipas o afirmaram insistentemente antes do jogo. Maradona marcou os dois golos da vitória da Argentina sobre a Inglaterra, por 2-1. O segundo, resultante de 11 segundos de técnica sobre-humana, foi eleito em 2002 como “Golo do Século XX”. Ao ver Maradona executar um delicado arabesco, deixando a perna direita elegantemente esticada à retaguarda, não me teria espantado se ele se elevasse no ar e começasse a voar. Parecia movimentar-se num quadro temporal diferente do dos jogadores ingleses, que só apareceram para pará-lo quando ele já tinha passado por eles.
Para minha surpresa, nenhuma das pessoas minhas conhecidas quis falar sobre aquele extraordinário segundo golo. Só queriam comentar o primeiro, por si marcado, quatro minutos antes, com a mão. Pessoas que antes eram admiradoras fanáticas de Maradona espumavam de fúria, como se ele tivesse praticado uma traição pessoal. De um dia para o outro, o seu nome passou a ser um insulto, um sinónimo de batota. Fiquei perplexo. O incidente a partir de então conhecido como “Mão de Deus” não me pareceu assim tão grave. Por um lado, acho impressionante que Maradona, com 1,65m de altura, fosse capaz de bater o guarda-redes, com quase mais 30cm, e conquistar-lhe a bola. E o árbitro e o fiscal-de-linha não foram os mais culpados, por não verem a falta e validarem o golo? Sempre suspeitei que a censura moralista feita à Mão de Deus foi a forma encontrada para disfarçar a desilusão e frustração sentidas com a derrota da Inglaterra. E que o comportamento que os adeptos ingleses nunca conseguirão perdoar Maradona não foi a batota, mas o facto de ele ter passado pelo meio de cinco jogadores da Inglaterra, como se fossem estáticos postes de madeira, para concretizar o melhor golo alguma vez marcado e afastar a Inglaterra do Campeonato Mundial.
(Thomas Jones é editor e redactor na “London Review of Books”.)
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